10 de novembro de 2010

Estaremos nós preparados?



Por estes dias, em que a chuva e o vento me levaram a pensar profundamente no sentido das minhas inquietações e, perante a degradação da condição económica do país, dei comigo a interrogar-me se, na verdade, estaríamos nós preparados para viver com muito menos e se, apesar disso, conseguiríamos encontrar o equilíbrio necessário para sermos felizes.
Não podendo negar esta possibilidade, tendo em conta que ela se torna cada vez mais evidente, importa reflectir urgentemente, nas nossas rotinas e estilos de vida e questionarmo-nos de uma forma sensata e consciente sobre a nossa individual realidade.
Estaremos preparados, para deixar de viver com muitas coisas, cuja necessidade foi criada por nós, rendidos à força do marketing ou de uma sociedade demasiado competitiva e consumista?
Seremos capazes de deixar de comprar por impulso o que simplesmente não é essencial, mas consola o prazer imediato ou o direito que achamos ter, igual aos demais?
Saberemos distinguir o que é uma necessidade e o que é um mero capricho?
E o que achamos ser essencial para nós, será isso uma completa evidência?
Acredito que as gerações mais antigas, estejam preparadas para esta provação, por força do tempo e da realidade que já viveram. E as mais recentes, que cresceram na explosão da modernidade e do facilitismo e que vêm agora desmoronar, o castelo que lhes permitiram construir em tão frágeis alicerces, estarão?
Cada um fará a sua própria reflexão, na consciência de que em cada um de nós e em cada economia familiar, têm de ser encontradas soluções mais simples e menos dispendiosas, para continuar a usufruir da vida no que ela tem, em essência, de melhor para nos dar.

Porque há ecos que sendo reflexos, são versos poéticos, maravilhosas aguarelas ....
Este, ofereceu-me a Manuela Baptista. Guardo-o ao peito e partilho-o convosco, por ser em permanência, eterna essência.

"
era bom
o cantar da água no ribeiro e o cheiro a sabão azul e branco
descascar quilos de marmelos, pesar açucar e canela, mexer um enorme tacho com uma colher de pau
ir a pé para a escola
jogar à bola no meio da estrada
acender a lareira e não ver televisão
conversar à noite até o sol romper
ter um forno de lenha para cozer o pão
e entender o tempo de cada estação!
restituam-me o silêncio e o direito de cantar, que eu
devolvo a pressa e a máquina de lavar "


17 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

MARIA JOÃO


Querida Amiga,

Há coisas para as quais nunca estamos preparados ...!

São as realidades que nos preparam para elas ...

... que para elas nos fazem aguçar o engenho!

Um grande beijinho


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 10 de Novembro de 2010

Lídia Borges disse...

A cultura do "acumular coisas" é inimiga da essência, dispersa a atenção daquilo que constitui a verdadeira necessidade do homem. Quem, por experiência, já verificou que tudo o que se adquire por impulso, resulta num prazer que rapidamente se dilui e dá lugar a novo desejo, como um qualquer vício, sabe que não tem de temer a eventualidade de ser obrigado de viver com muito menos.
Assusta-me a ideia de haver quem tenha de viver sem nada.

Deixo um beijo

Nilson Barcelli disse...

Ninguém está preparado para viver com menos dinheiro.
Porque o natural é querer cada vez mais... para gastar... é como com as drogas... para manter o prazer tem de se aumentar sempre a dose...
E nenhum drogado aceita diminuir à dose...
Perdoa o exagero da comparação...
Mas toda a gente (ou quase) vai ter que se habituar a consumir bastante menos. Não há volta a dar... já há cerca de 30 anos que gastamos mais do que produzimos.
Querida amiga João, gostei da tua excelente reflexão. Acho que a sociedade em geral a deve fazer rapidamente...
Beijos.

vieira calado disse...

Penso que o mundo dará uma enorme volta...

nas próximas décadas...


Beijinho

AC disse...

Maria João,
A verdade é que esta fórmula estava mais que esgotada, e a consequência mais óbvia é a reaprendizagem geral: Contudo, passado o impacto, que irá ser doloroso para muitos, não tenho a menor dúvida de que passaremos a olhar mais para dentro de nós e dos outros.

Beijo :)

Runa disse...

Tua reflexão é pertinente e, o estado a que as economias chegaram, obriga-nos a repensar o nosso modo de vida, mas continuo a achar que esta crise é artificial, programada por mentes perversas, que apenas querem o controlo das populações e, ainda mais, as escravizarem aos seus interesses egocêntricos e desmedidos.

Bjs.

Filoxera disse...

Vive-se sem (quase) tudo. Pelo menos podemos prescindir de quase tudo o que é material.
De qualquer forma, é urgente uma revolução de mentalidades.
Beijinhos.

Andy disse...

Maria João,
excelente reflexão...enquanto te lia, pensava realmente na minha própria realidade. E tenho consciência de que não me vai ser fácil, sobretudo porque até aqui nunca fiz grandes extravagâncias mas tinha alguns caprichos modestos, agora nem esses talvez poderei satisfazer.
confesso que me angustia mas o equilibrio entre o que queremos/podemos, terá de acontecer!

Beijinho querida amiga

manuela baptista disse...

era bom

o cantar da água no ribeiro e o cheiro a sabão azul e branco

descascar quilos de marmelos, pesar açucar e canela, mexer um enorme tacho com uma colher de pau

ir a pé para a escola

jogar à bola no meio da estrada

acender a lareira e não ver televisão

conversar à noite até o sol romper

ter um forno de lenha para cozer o pão

e entender o tempo de cada estação!

restituam-me o silêncio e o direito de cantar, que eu devolvo a pressa e a máquina de lavar

Maria João

eu sei
que não é tão simples, como a pintura que aqui deixo
mas que é preciso mudar, lá isso é!

Obrigada pelo seu texto

um beijo

manuela

Carla Farinazzi disse...

Maria João,

Muito boa a reflexão que você nos propõe. Tem uma pessoa que trabalhou comigo por muitos anos. Ele, de origem humilde, ingressou no serviço público e começou a crescer. Foi subindo de cargo e salário. Seu salário era astronômico, e proporcionalmente, cada vez mais pessoas se tornavam dependentes dele (sobrinhos, irmãos, pais, namorada, família da namorada, etc.). E quanto mais seu salário aumentava, mais ele contraía dívidas para arcar com compromissos assumidos. Um dia ele virou pra mim e disse: "Eu gostaria de largar tudo, esse emprego, essas pessoas, tudo, e ser pipoqueiro. Tenho certeza que seria mais feliz".
Eu fiquem pensando: "Duvido. As pessoas se acostumam com as mordomias. Só largam se forem obrigadas."
E assim é. Até hoje ele está no serviço público. Não sei se continua naquela "ciranda" em que estava. Mas o raciocínio dele eu entendi: talvez, voltando a ter menos, ele pudesse viver mais tranquilo. Com menos comprimissos.
E pra retroceder, como é que faz?
Eu, da minha parte, às vezes faço como Sócrates (o filósofo grego, não o político aí de vocês, rs). Vou ao shopping passear, apenas para me lembrar de quanta coisa existe no mundo de que não preciso para ser feliz.

Beijos

Carla

(desculpe o comentário longo)

Carlos Albuquerque disse...

Li, várias vezes, estas suas inquietações, aqui trazidas de tal modo verdadeiro e sentido, que me lançaram o espírito num frenesim à procura de uma resposta.
Temo que não, que não estejamos preparados!
O meu temor radica, provavelmente, na minha formação africana. O espaço em que me fiz adulto não era de correrias nem de atropelo de valores. Quando, em 1970, vim para Portugal foi grande o choque sentido. Cheguei ao mundo da minha vida futura em que tudo girava em torno da pressa, de desrespeito pelo próximo, de correrias sem fim, nunca tendo percebido para onde...O vizinho, os colegas,até os conhecidos, eventualmente amigos futuros, não eram (e não são)companheiros de existência, mas sim seres incómodos sobre os quais se despejavam a inveja, o mal-dizer e pequenos ódios.
O que aqui digo não deve ser entendido como uma generalização. Tenho para mim que as generalizações são más companheiras do pensamento. Trata-se, tão só, da minha insignificante opinião.
Vi crescer uma geração de gente a fingir, de gente a querer ser, mas que não o foi. Depois desta, uma outra despida de valores, agarrada a consumismos (não só materiais) desbragados, indecorosos mesmo, deixando-se acorrentar pelo fútil.
E, o que é para mim mais grave, qualquer das duas gerações foi incapaz de suster a desagregação da família (esse bem supremo e insuperável),qualquer que seja a base da sua formação,a que vamos assistindo.Talvez por tudo isso,continuemos a ser gente apressada correndo sem olhar para o lado, ocultando o olhar da miséria, da pobreza e das profundas e injustas desigualdades sociais.
Das palavras da Manuela Baptista, que trouxe para o seu post, três há que também aqui coloco: "...devolvo a pressa..."
Naquele já longínquo ano de 1970, iniciei o meu processo de adaptação, que continua sem grande sucesso, devo confessá-lo.
Perdoe, Maria João, o travo amargo do meu comentário, mas é o que sinto.
Voltando à sua pergunta,não creio que estejamos preparados.
Um grande abraço, minha Amiga.
Bom fim-de-semana

Branca disse...

Maria João,

Os meus parabéns por esta belíssima reflexão, que tenho feito muitas vezes por estes dias.
Realmente será muito mais difícil para os mais jovens, mas curiosamente tenho observado em meia duzia de jovens à minha volta uma curiosa filosofia do essencial e da felicidade das coissa simples que me encanta e me tem deixado orgulhosa, creio até que poderei aprender algo com eles, embora alguns deles tenham também aprendido com a minha geração e com muita leitura e a sabedoria que ela lhes empresta.
Há-os ainda, felizmente e sinceramente que me maravilham. Vamos todos ser postos à prova, mas a felicidade afinal é feita de coisas tão simples!

Elas estão aí no lindíssimo texto da Manuela, e como eu adoro a roupa a cheirar a sabão e a sol.
Ainda lavo algumas malhas à mão, precisamente para terem esse cheiro e recuso-me a ter máquina de secar, mas a de lavar custa tanto dispensar Manuela,:), vivi por estes dias um mês sem ela, faz tanta falta! Brinco, claro, porque o seu texto é formidável com tudo o que contém e na mensagem que transmite, bem como o da Maria João.
Adorei estar aqui e reflectir convosco.

Beijos
Branca

Unknown disse...

Boa noite Maria João,
avizinham-se tempos difíceis com os quais os mais jovens terão que aprender a viver.
Vivemos numa sociedade essencialmente consumista e todos os dias sem que nos apercebamos, sorvemos através da televisão centenas de anúncios, muitos deles publicidade enganosa que incentiva a comprar.
Seremos forçados a parar para reflectir, é urgente distinguir desde já o indispensável do supérfluo.

Beijinhos com votos de bom fim de semana,
Ana Martins
Ave Sem Asas

. intemporal . disse...

.

. por impulso mas antes arredar o impulso .

.

. e o tempo é agora o da Criação, em detrimento do mundo em que vivemos .

.

. ler é aperfeiçoar também o cérebro .

. escrever é criar .

.

. o que sempre encontro aqui .

.

.

. é Criação .

.

.

. maria joão/baPtista manuela .

.

. o resto já sabem... .

.

. íssimos em duo .

.

. paulo .

.

Virgínia do Carmo disse...

Às vezes é preciso que a vida nos empurre para abismo para termos a percepção da luz...

Suponho que a queda nos preparará para o doloroso acto de nos levantarmos...

Assim se cresce... espero...

Grande beijinho, João, e obrigada pela partilha desta tão pertinente reflexão!

manuela baptista disse...

sem pressa

de coisa nenhuma
deixo um beijo à Maria João

e a quem comigo se atrasou

manuela

Sofá Amarelo disse...

Estando preparados ou não, a verdade é que vai acontecer: há um Portugal que termina agora e outro vai começar, não se sabe bem o que será mas será outro qualquer estilo de vida, porque chegou a hora de apagar toda a fantasia em que se tem vivido nos últimos 20 e poucos anos... é urgente que volte o cantar da água no ribeiro e o cheiro a sabão azul e branco...