30 de julho de 2009

O beijo perdido


Corpo curvado e olhos postos no chão, era assim a figura dilacerada daquele homem, que diariamente, no momento em que os dois ponteiros do relógio se juntavam às 11 horas, entrava pela enfermaria.
Ao longo de duas semanas, dia após dia, os passos tornavam-se mais pesados, arrastando uma amargura infinita que teimava não desaparecer.
Alberto, seu nome era Alberto.
Ao entrar, os olhos tristes procuravam a presença do corpo de Manuela, a sua princesa de há 35 anos, que se mantinha ali agora, inerte, passiva, naquele sono profundo, sabe-se lá com a alma perdida em qualquer ponto ensombrado do cérebro.
Abeirava-se dela com cuidado, o cuidado de quem não quer sobressaltar aquele que tranquilamente dorme, afagava-lhe o rosto e beijava-lhe a testa. “ Boa noite, meu amor!”
Era esta a frase que marcava o início e o fim daqueles encontros diários, carregados de sofrimento e fé, de esperanças perdidas e renascidas, de desalentos e recordações.
Por entre sorrisos e lágrimas, desfolhava na memória o livro dos dois, revivendo pequenos e grandes momentos das suas vidas que haviam ficado gravados em páginas eternas. Páginas de um casamento feliz que cresceu em afecto e respeito.
Mulher bonita e carinhosa, Manuela já era florista na praça, quando se conheceram e ele, agora reformado da função publica, era na altura um empregado de restaurante, mesmo ali ao lado da Ribeira.
Foi bonito o namoro deles, timidamente assumido e depois, gostosamente saboreado com os ímpetos próprios da paixão. O casamento, marcado às pressas porque a gravidez já não podia ser disfarçada, foi bonito também. Assim como foi bonita a vida deles, marcada por muito sacrifício conjunto, mas também muita determinação e força. Apoiavam-se mutuamente. Ela mais condescendente e sempre conciliadora, ele por vezes irascível e sempre bastante orgulhoso.
Tiveram alguns desentendimentos, pequenos arrufos. Coisas que a convivência diária provoca e que naturalmente, também resolve. Nada que tivesse abalado em algum momento aquela união terna e doce onde geraram e criaram três filhos.
Manuela fazia questão de nunca deixar que a zanga perdurasse para além do dia e à noite procurava sempre de uma forma ou de outra a reconciliação. Dizia ela que o sono era como uma viagem e por isso gostava de se despedir com um beijo sereno e de adormecer em paz. Mas o orgulho de Alberto, algumas vezes era mais forte e teimava em adormecer de costas voltadas, retomando o sorriso apenas pela manhã.
Naquela tarde de sábado, e por um motivo que nem Alberto já se recordava bem, tinham-se desentendido. Manuela estava menos tolerante, aquela dor de cabeça constante e a latejar, tirou-lhe o discernimento e a zanga ficou no meio dos dois, congelando os afectos.
Quando o sol veio render a fria madrugada de domingo e Alberto desenhou um sorriso para oferecer à mulher como se fosse um malmequer silvestre, sentiu nela uma respiração irregular e ruidosa, virou-se na cama e olhou para o seu rosto, pálido, inexpressivo.
“ Manuela, meu amor, acorda!! “
Manuela ficara presa na sua viagem, algures entre o sonho e a vida, no labirinto das conexões nervosas não irrigadas, do seu cérebro.
Desde há duas semanas que permanecia assim, sem regresso.
Alberto inconformado, esperava poder em qualquer momento recuperar aquela noite, em que se deitaram juntos pela última vez, para agora sim, se despedirem em paz, como ela tanto gostava e darem o beijo perdido de boas noites!

19 de julho de 2009

Pequenos e frágeis

Esta imagem (1), foi obtida através de um satélite não navegável.
Nela podemos observar o tamanho do Planeta Terra comparativamente ao Planeta Saturno.

Um pequeno ponto apenas....

"Nesse pequeno ponto azul, estamos todos.
Todas as nossas guerras…
Todos os nossos problemas…
Toda a nossa grandeza e toda a nossa miséria ...
Toda a nossa tecnologia, a nossa arte, os nossos feitos…
Todas as nossas civilizações, toda a nossa fauna e flora..
Todas as nossas raças, todas as religiões…
Todos os nossos governos, países e estados…
Todo o nosso amor e o nosso ódio…
Seis mil milhões de almas em constante convulsão
" ( 2 )

Dá que pensar....

Mas esta imagem em si, também ela é um pequenino ponto.

Senão, vejamos...

Pequenos e frágeis!

Tomemos tudo isto, como uma lição de humildade...

(1)Retirada da Net
(2) Texto retirado de um maravilhoso email que me foi reencaminhado e de autoria desconhecida.

15 de julho de 2009

Detalhe precioso


Nem sempre sabemos exactamente, porque fazemos algumas coisas.

Por isso, ainda hoje não sei todas as razões pelas quais criei há um ano este espaço.

Mas todas são igualmente válidas e importantes, tenho a certeza.

Sei porque lhe chamei " Pequenos Detalhes ".

Afinal são os detalhes, os pequenos, que marcam a diferença.

Sem os detalhes, a monotonia do que parece ser igual, desvia-nos a atenção do que é realmente diferente...

Ao longo deste ano, este meu espaço de escrita que agora é nosso, tem sido partilhado, acarinhado e enriquecido por outros detalhes, que lhe dão brilho e calor...

O carinho das palavras é um detalhe precioso! Obrigado!

Não sei todas as razões pelas quais eu quero manter este espaço.

Decido continuar...

É tão bom saber-vos aqui!




O selinho foi feito com todo o carinho da Mariazita, que assim brindou este aniversário. Com o mesmo carinho eu o ofereço a cada um de vós, para que o levem ou o deixem ficar, conforme vos apetecer.
Guardem sim, o meu sincero apreço pela vossa visita.

7 de julho de 2009

O mundo dos contrastes... (VII)



MULTIDÕES





O mesmo Planeta ...








O mesmo tempo ...






Realidades vergonhosamente contrastantes!

Olhares de involução humana!


2 de julho de 2009

Pre(ocupações)



Confesso que tenho andado ocupada!

Nunca gostei de me pre(ocupar) mais do que o necessário. É que se andarmos às voltas com o mesmo assunto, durante muito tempo, perdemos a oportunidade de nos ocuparmos realmente com o que nos pre(ocupa).

Claro que a pre(ocupação) é importante, é com ela que se questiona o assunto, se levantam as hipóteses, se desenham e ensaiam os cenários… Mas não nos esqueçamos da sua verdadeira razão de ser : a preparação e o planeamento do que deverá ser a nossa ocupação!

Não vou negar que muitas vezes me sinto tentada a ficar pre(ocupada) durante mais tempo, numa espécie de masoquismo frenético e depressivo, que me faz sentir que faça o que fizer não resolverei o assunto. Nessas alturas a minha cabeça quase “explode” de dor e cansaço presa nesse beco sem saída.

Mas rapidamente ponho um ponto final em tal subtil tentação.

“Não podes continuar assim, minha querida.” Penso em voz alta nesses momentos, correndo o risco de alguém me ouvir nesse monólogo e pensar que a lucidez me abandonou definitivamente ,com tanta pre(ocupação). “ Tens de fazer alguma coisa, passar à ocupação para teres obra feita!”

Deixo então de dizer: “ Tenho de fazer isto” e faço-o!
Deixo de lamentar o que não tenho e luto para merece-lo!
Paro de chorar o que perdi e trabalho para o obter de novo!

Ocuparmo-nos é como reconhecer uma dádiva, porque ocupação é vida.

Não passar da pre(ocupação) é um desperdício.

Em qualquer momento, mesmo que conscientes de que já não teremos todo o tempo para concretizar tudo o que gostaríamos, teremos decerto a oportunidade de fazer alguma coisa!

Basta para isso, que nos mantenhamos ocupados…