28 de junho de 2010

Na obscuridade do medo




Nascem mudas as denúncias dos dias,
Asfixia plena do universo
Que deslumbrado se perde no rodopiar dos astros
Enquanto se dilaceram as feridas.
São os ecos do silêncio
No alinhavo dos lábios,
Ou a angustiada cobardia
De nos vermos trémulos,
Diante da própria sombra.



25 de junho de 2010

Inconsciência
















Julgaste-me coisa inerte
Quando nos meus sonhos
Não encontraste nada mais que o teu castelo
Julgaste-me pedra de ara, angular
Anta dos teus enganos
Que respira apenas a humidade dos teus beijos
No silêncio nosso de madrugar
Por isso, gravas-te em mim o teu nome
Indelével esquecimento
Para que sobre a cal que me cobre o corpo
Nada mais possa ser escrito
Para além da tua consciência
Ou da insanidade dos deuses
Mas sempre que te mirares
No profundo lago que me cerca
Encontrarás o assombro da tua própria cegueira
No reflexo que sobre as águas
Denunciará a minha alma germinada



22 de junho de 2010

Preciso.te




Preciso saciar-me em ti
Entrelaçar as memórias nos teus olhos
E sentir-te marear no meu corpo
Contornando as minhas tempestades
Preciso que me recebas assim,
Candeia faminta sem luz
Na dor que me atormenta, gota a gota
E nela, te faças rio de água minha, salina
Depurada em tua boca





19 de junho de 2010

a Maior Flor do Mundo




porque as flores Maiores...


jamais murcham, secam ou morrem!


15 de junho de 2010

À procura da esperança

















Desenharam-me imensa
Para embalar com o olhar a dor que te aperta,
Traço negro e redondo

De todos os contrastes e assimetrias,
Desassossegos e lagos de solidão
Feitos marés e maresias.
Aí flutuo em vagares e assombros,
Rasgando nas tuas pálpebras
O traço preciso de um ténue sorriso ,
Brisa de todas as manhãs .
Desenharam-me imensa
Para partir vida fora,
Pé- ante- pé, dentro do meu corpo
Alma sem bússola
Barco sem porto
À procura da esperança
Que haverá de salvar o mundo ,
Sinal rarefeito
No olhar límpido e perfeito, de uma criança


10 de junho de 2010

Não quero morrer sozinha!





Tinha o olhar doce, mas orvalhado de suplica.
“ Por favor senhor doutor, não me mande para casa…”

Estranhos desígnios estes que hoje a faziam recusar, o que tanto amara a vida inteira; a sua casa, o seu templo, trono de seu único reinado, paraíso onde sempre fora dona e senhora, talvez rainha soberana, quem sabe?
Gostava de tudo nos seus lugares. Tudo, porque tudo eram pequenos farrapos dela e, por isso, nada estava a mais porque tudo lhe fazia falta. Eram coisas velhas como ela, mas suas, muito suas! Que ninguém viesse sequer dizer-lhe para substituir os tapetes, que outrora tecera com trapos, por carpetes. Ou então, para guardar as suas rendas e bordados na arca. Estavam fora de moda? Que estivessem. Queria-os ali mesmo, em cima das cómodas e mesinhas de cabeceira a fazerem-na feliz. Há muito que dizia ao filho que os seus tarecos falavam com ela e lhe adivinhavam as memórias, as tristezas e as saudades. Ele não acreditava, parecia-lhe que às vezes até se ria do que ela dizia. Por certo, achava-a senil o maroto. Magano a mangar dela.
Ele era o seu menino, sempre fora. Mesmo casado e de vida feita lá por França, sempre o embalara no coração e era o cheiro dos caracóis macios e loiros o que ela sentia quando, de saudades, fechava os olhos a recordá-lo.
Mas isso fora até há cinco anos atrás, antes da vida dele andar em bolandas e se ter divorciado. Se ficara triste? Nem sabia bem definir. Ora, antes assim, já que o amor acabara e netos não havia! Mas no íntimo de si, como um segredo jamais revelado, habitava a felicidade maior de o ter de regresso à sua casa e aos seus cuidados, precisamente no dia em que ele festejava cinquenta anos.
Passara então a tê-lo por perto todos os dias… ou quase todos.
Gostava de lhe aprontar a refeição, de ficar à sua espera de mesa posta, tacho fumegante e a saliva a crescer-lhe na boca. Não, nunca comia sozinha, a não ser que ele tardasse sem a avisar. Nesse caso, comia a sua sopinha se a fome era muita, mas quase sempre não comia nada
Gostava de lhe tratar das camisas, engomá-las a preceito sem dobras ou vincos, que esses só nas calças, como pertencia. Deixava depois tudo pendurado em cabides, e nos seus devidos lugares. Não queria que nada lhe faltasse, nem que ele sentisse falta de nada.
Havia dias em que as pernas já se arrastavam para ir à mercearia, mas Rosinha, a filha do Joaquim, trazia-lhe às vezes as compras a casa, pois por poucas que fossem, pesavam sempre mais do que aquilo que conseguia suportar.
“ D. Hermínia, a senhora já não tem idade para estas coisas, o seu filho é que havia de tratar de si...” dizia-lhe  o merceeiro, amigo de muito ano.
Sabia-o. Sentia os oitenta e quatro anos pesarem-lhe cada vez mais no ânimo, mas enquanto o corpo pudesse e o Senhor lhe permitisse, seria ela a cuidar dele.
E cuidou, até há pouco mais de quinze dias atrás, em que o corpo deixou de puder.
Adoecera com uma pneumonia. Ficara acamada no hospital e, dia após dia, sentira fugir-lhe das pernas a força necessária para se manter de pé. Ao fim de uma semana, findo o tratamento e curada a doença, teve de voltar para casa. Não podia ficar mais tempo, havia que dar lugar a outros, quem sabe velhos, tal como ela.
O filho protestou. Que não podia tomar conta, que era complicado…
As soluções eram poucas, ela sabia-o. Mas o Centro de Saúde vigiaria, a Santa Casa da Misericórdia apoiaria, e o filho haveria de a mimar. Claro que a mimaria!E quanto não vale o mimo de um filho?
Voltava então para o seu canto, e isso era o mais importante.
Seria?
Nem imaginara na altura, o quanto estava errada. Soube-o em pouco tempo.

Era a terceira vez na última semana que o filho a trazia à urgência.
Primeiro, porque a achava pálida, depois, porque os intestinos estavam presos… 
Agora, ouvira-o dizer à enfermeira, sem pudores ou falsos equívocos: “ Desculpem, mas têm de ficar com ela. Não tenho tempo nem vida para isto. Negócios, sabe como é!?”
Pressentiu o fim naquele derradeiro segundo. A voz do seu menino que sempre achara doce, a  gelar-lhe  a alma, num frio que lhe paralisava o sangue no interior das frágeis veias. Sentiu finalmente o cansaço de viver e rendeu-se vazia a toda a solidão adiada.
Apertou a mão do médico com força e, com a lucidez a transbordar-lhe nos olhos, continuou;

“… não mande, p'la sua saúde, doutor! Eu não quero morrer sozinha!!”


6 de junho de 2010

Isto dá que pensar (6)



Porque é na adversidade que
questionamos os nossos limites...





... Vale a pena mergulhar dentro de nós e,
nesse silêncio só nosso, percebermos
o quanto somos fortes, afinal !


1 de junho de 2010

Na sedução das manhãs





Soltei na aragem das manhãs
O pólen que nutre os teus sentidos
E rasguei-me em pétalas de dor e verso
Rimas coloridas de uma estrela ardente
Esculpida no vértice do infinito
Onde fui em ti
Grito de magma quente
Alfa e ómega, universo
Onde foste em mim
Beijo de seiva doce
Desejo côncavo em amor convexo