28 de maio de 2010

Hoje canta o poeta...







VINICIUS DE MORAES






Eu sei que vou te amar

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que eu vou te amar
E cada verso meu será pra te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há-de apagar
O que essa ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida



Na voz de...
Eugénia Melo e Castro




Há selos e desafios em Mimos&Selos
passem por lá!

23 de maio de 2010

Regressos





Tantas vezes, tantas, me perco nos sons da minha natureza
E oiço o passo do compasso deste frágil coração que me anima.
Chamam-me às vezes, as vozes de dentro de outras conchas,
onde residem pérolas e aplausos e segundos de vaidade, orgulhos breves.
E vou…, e volto…
Volto a este lugar só meu
Lugar onde desenho sonhos, venço batalhas, onde não há falhas
ou gestos menos próprios.
Gosto de mim aqui, inteira
sem que a voz me trema, sem que sinta frio.
Gosto de ser alma forte e soalheira
e sentir a dor, qualquer dor,
fluir em mim, líquida como um rio.
Gosto de me sentir cingida
em laços e beijos ternos,
fragrâncias de abraços fraternos.
Gosto de mim, aqui
tecida em fios de luz
Entre o que fica e o que parte
De tudo o que em mim é, e apenas o que importa
Quando a noite, triste noite, para ficar
Tal como eu, também volta.


**

15 de maio de 2010

Entre um café e um pastel de nata



Hoje acordei com o sol a fazer-me cócegas, no corpo ainda cansado. Aceitei-lhe a energia e num ápice, ergui-me.
Fui recebê-lo no jardim, onde o vento me presenteou também, com a frescura dos dias diferentes.
Vesti algo prático, penteei apressadamente os cabelos e saí a caminho do supermercado para as compras semanais. Coisas rotineiras, daqueles que têm apenas o fim-de-semana para assistir devidamente a casa e a família.
Na cafetaria do supermercado, antes de iniciar o percurso labiríntico dos corredores, gosto de me sentar calmamente a beber um café, que acompanho com o meu pecado semanal, um pastel de nata. É um hábito antigo que gosto de manter, como um mimo que faço a mim mesma, quase em exclusivo, ao sábado. E assim aconteceu hoje, mais uma vez.
Fiquei ali um bom bocado, vendo chegar e partir outras pessoas que faziam o mesmo que eu. Algumas sozinhas, outras acompanhadas com suas caras metades e outras ainda, com toda a família.
Reparei, hoje com uma indignação diferente, que cada vez há mais pessoas que passam pelas revistas e jornais, escolhem uma ou ambas as coisas e levam-nas para a mesa, onde fazem a actualização das notícias do dia, da semana ou da vida, às vezes tão espelhada nas que vêm publicadas. E porque as palavras e as ilustrações não saem do papel só porque são lidas, voltam os respectivos periódicos, a ser colocados no sítio, quando os seus inoportunos leitores, já satisfeitos, se vão embora. Na prateleira, ficam novamente à espera que apareçam clientes verdadeiramente conscientes e responsaveis, que comprem a sua propriedade, antes de se dedicarem à leitura.
Neste vai e vem de chegadas e partidas, onde não há serviço de mesa possível, as empregadas não tinham mãos a medir, para corresponder aos pedidos de pequeno-almoço completo ou, menos ainda que eu, simplesmente um café. Os tabuleiros, delicada e apetitosamente servidos inicialmente, iam sendo abandonados nas mesas, com o lixo e a desarrumação das cadeiras a denunciar a saída dos seus utilizadores.
Algumas pessoas que chegavam, para puderem utilizar uma mesa limpa, pegavam nos tabuleiros, com o lixo que não era seu, colocando-os no local certo.
Pensei nas crianças que ali estavam. Pensei na educação dos mais novos e nas mensagens contraditórias (ou não) dos seus pais.
Gradualmente, fui perdendo o alento que torna os dias diferentes.
Levantei-me, arrumei a cadeira e abandonei o local deixando a mesa limpa.
Se todos fizermos a nossa parte, o mundo pode ser bem mais bonito. Ao invés disso, se nada for feito quanto antes, para repor a noção de dever e de direito, podemos ter de viver numa selva, onde nem as cócegas do sol nem a frescura do vento conseguirão transformar os cansaços.


13 de maio de 2010

De que te ris, humanidade?!




Sorves o brilho com que julgas cobrir-te
E despes-te da humildade, despudoradamente
Ousando violentar todas as tuas primaveras
Rezas, porque o coração não é feito de ouro e prata
E a dor é nó que não desata
O desespero a que te condenas
De que te ris, humanidade?!
Se na deserta alma que te habita
Chovem lágrimas apenas

8 de maio de 2010

Envelopes de coragem


Era sempre o dia mais esperado, aquele que trazia o sol para dentro de casa, embora a inevitável noite voltasse, quase de seguida. Mas o que importava mesmo, era aquele momento único em que todas as inquietações desapareciam por breves minutos, e crescia a ilusão de ser e ter um pouco mais.
O Patrão chamara-a e entregara-lhe o envelope, dizendo: “Continuamos a contar contigo”.
Quatrocentos e dez euros e vinte cêntimos. Apertou o sobrescrito nas mãos e pensou em todos os dias que o relógio, obstinada máquina do tempo, lhe ditava o imperativo maior de levantar o corpo da cama morna, onde dormia só.
Pensou nas horas em que as costas lhe reclamavam repouso e ela, ignorando-as, continuava na apanha da batata, ou na monda nas estufas.
Pensou na solidão e nas pernas cansadas.
Pensou na sorte que tinha, de não ter sido despedida e sem um ai ou qualquer outra queixa, prendeu tudo lá dentro, no lugar mais fundo de si, em memória de António que o Senhor o tivesse em descanso. Ele haveria de se orgulhar dela, como lhe prometera quando o fora a enterrar. Por via de todo o amor que lhe dera, nunca mais haveria de ter outro homem e faria dos filhos, gente nobre e valente.
Pensou no sorriso dos dois meninos a saírem de casa pela manhã, de mochila às costas e barriguinha cheia de cevada e pão com doce de tomate, feito por si.
Quatrocentos euros tinham que chegar, que os outros dez, mais os vinte cêntimos, já estavam destinados para pagar a água.
A caminho de casa, passou pela mercearia do bairro, comprou o pão de centeio e pediu ao Sr. Manuel que lhe trocasse o ordenado em notas de vinte. Era assim mais fácil dividir o pouco e menor a sensação do nada.
Em casa, com o sol ainda a aquecer-lhe a alma, pegou nos envelopes de papel já moído. No da renda da casa, juntou cem aos duzentos e cinquenta euros que já lá estavam, da sua pensão de viúva. Contou mais três notas de vinte e colocou-as no seguinte, para a luz e gás. Voltou a pensar no sorriso dos filhos e pôs de parte quarenta euros, para os sapatos novos do João e para o blusão do Pedro. Iria à feira, talvez desse para mais alguma coisa. O resto, guardou-o no terceiro envelope junto com o abono, para comprar a sobrevivência. Para eles, claro, e para os coelhos e galinhas que medravam na capoeira e mais para o adubo das alfaces e para os tomateiros que haviam ficado encomendados.
Se calhar, não chegava...
A noite caía novamente, fria, a ensombrar-lhe o olhar e a vida. Ainda deixou cair duas lágrimas, lambeu-lhes o sal e secou-as com a manga do casaco. Renunciaria à tristeza com todas as forças, tal qual sua mãe, noutros tempos. Arrumou tudo na gaveta da mesinha de cabeceira e saiu para a horta.
Enquanto apanhava as laranjas, e as couves para a sopa da janta, pensou na alegria dos filhos que em breve chegariam a casa e se abraçariam a ela e decidiu falar no dia seguinte com a Alzira, sua amiga de infância. Ela haveria de lhe arranjar umas escadas para lavar ao domingo, lá nos prédios novos onde trabalhava.
Por Deus, haveria de chegar!


4 de maio de 2010

Não sei de onde vens



Não sei de onde vens
Nem de que és feita
Sei que contorces a minha terra sem fruto
E cobres-me o peito de melancolia
Agonia perfeita de um poço lodoso
Deserto impiedoso de espinhos e cardos
Fardos sem fim
Quando vais, não sei porque voltas
Nem porque te enleias em mim
E na sombria ilusão dos teus laços
Partes-me o sol aos pedaços
Silencias-me o siso e o riso
E sem malmequeres ou papoilas
Semeias-te no meu jardim



2 de maio de 2010

Natureza de Mãe


Que segredo se esconde em tais entranhas

Que sem saber porquê... ela sabe
Sem saber como... ela sente
Sem mesmo ter... ela dará
Sempre !



Que mistério esse, maravilhoso
Em que o seu todo não é só a sua parte
Mas todas as outras que de perto ou de longe,
ela amará eternamente!




Reedição de "Maravilhoso segredo" de 03/02/2009