Antes da revolta do mar
as gaivotas, em desespero, guardavam as asas
e cobriam-se de sargaço para que ninguém soubesse
que decidiam morrer antes do fim das palavras.
Dentro do vento, as vozes
das mulheres
anunciavam o fim do mundo
tecendo e destecendo o silêncio
com que protegiam o corpo da bruma
e mirradas de colo, agarravam-se ao ventre
na antecipação da angústia.
Na praia, só os meninos
desenhavam o sol dentro das conchas
enquanto as casas
desmoronavam
com o peso do sal sobre as pálpebras
e os homens, presos às estacas
vigiavam o gemido das ondas
quebradas na dureza dos rochedos
e amedrontavam-se como nunca
dentro dos próprios punhos.
Antes da revolta do mar
a terra era uma chaga
a esvair-se de humanidade
e foi preciso semear poesia
à boca de todas as marés
para que o grito amadurecesse
e o mar cantasse o hino
de um coração de lava transbordante
que desembaraçado de
algas e fantasmas
num estrépito se elevou, vivo
a encimar o mastro de uma nova caravela.