29 de novembro de 2011

Só as vírgulas rasgam desertos



Há dias em que nos sentamos no último degrau e olhamos o lugar vazio onde perdemos a vontade de ser alguma coisa. Abandonamos os braços no sentido do chão e damos ao cansaço o ombro silencioso e estéril de todas as desculpas.
Há noites escuras em que a lua desenha no céu uma vírgula, para nos lembrar do arado que só rasgando o chão consegue lavrar todos os desertos.



24 de novembro de 2011

Celebração da voz humana




Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for.  Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada.

Eduardo Galeano in " O livro dos Abraços"



21 de novembro de 2011

O eco das palavras dos poetas




Hoje acordei dentro de uma nuvem cheia de palavras.

Cheia de pedaços de poesia que se soltavam da folhagem das árvores de uma floresta de papel que também existia dentro dessa nuvem. Toquei-lhes com o maior cuidado, não fossem elas, as palavras, serem como os sonhos que se esquecem quando os queremos realidade.
Mas não….
Aconchegaram-se como meninas, dentro de mim. Ou eu dentro delas, já não sei...

Quem sabe onde mora o eco das palavras dos poetas?

Juraram que se ouvissem Fantasie-Impromptu de Chopin, renasceriam como borboletas e todos os dias pela manhã, na beira da minha janela, ronronaria um gato e cantariam poemas que, sendo tão puros, simples e límpidos como água, dariam ao meu acordar, a melodia harmoniosa dos rios e das fontes e de todas as paisagens que nascem dentro dos olhos, ou flutuam na alma vindas da espuma do mar. Disseram também, que me trariam um campo de girassóis, um punhado de memórias, uma grinalda de algas ou então,  searas de versos para eu reinventar.
Hoje, quando acordei,  no livro de poesia ao meu lado; No Espanto Das Mãos - O Verbo,  da minha querida amiga Lídia Borges  as palavras aguardavam apenas os primeiros acordes do piano,  para me dizerem da nova sonoridade que semearam dentro de mim. 

À Lídia, os meus parabéns! 
A sua poesia  iniciou  um novo e merecido voo.
Muitos outros lhe desejo.
Por cada um a aplaudo, honrada pelo privilégio de a ler
e de ontem ter estado ao seu lado.


18 de novembro de 2011

Adágios


  

É tão fria a palidez do mundo quando a vida parte.
Quando os olhos se estendem para dentro dos fantasmas.

É tão fria!

Há segundos em que a morte não me estranha
e me pressinto dela,
coisa insignificante e pequena.
Sinto-a a roçar-se-me na pele
a colocar os dedos no sangue das minhas feridas
a rir-se da surpresa dos meus lábios
do medo a nascer-me cascata dentro da boca.
Nesse momento,
num frágil e fugaz momento
deixo de saber se ainda sou,
até que outra alma abandona as mãos dentro das minhas
e estar, passa a ser tudo o que na verdade vale a pena
para que nenhumas mãos
perto de mim
vivam sozinhas.


A morte de Garcia Lorca
óleo sobre tela de Guilherme de Faria - 1959

10 de novembro de 2011

Do fundo mais profundo do chão




Vem do fundo mais profundo do chão
a raiz da urze
que resiste ao corte da sega.
Mesmo despida de flores,
um dia será
o calor de alguém
que recusou morrer no inverno
sem a promessa das papoilas.

É tudo tão simples
dentro de um caule manso.

Por isso me mantenho na direcção dos afectos
pois se até o vento se rende
à persistência das asas.




4 de novembro de 2011

Partículas de mar



Somos apenas partículas de mar.
Gotas de água de um oceano imenso.
Esquecermo-nos disso,  é viver inutilmente nas margens de uma vida sem nunca encontrar uma foz que nos abrace.