24 de janeiro de 2013

Fragmento


                                                                                                Vanessa Magalhães

Uma lágrima cai-me no colo
como se fosse, aquela que de mim já viveu
e eu
apenas sombra e cinza que envelhece
fragmento inerte
na impotência de um consolo.



17 de janeiro de 2013

As tardes que moram em mim




São duas as tardes que moram em mim;

Uma é sombria
feita de pingos de chuva e da cor cinzenta do céu
refugia-se num canto da alma
a revolver o vento e a chorar melancolia
procura o certo, no que há de mais incerto 
e respira o silêncio de uma calma 
que se ama e se estranha.
Chega sem aviso
quando não oiço 
o rumor dos gestos
dos passos que me dizem quem sou
porque fui, porque chego
ou porque vou.

A outra
é alegre e luminosa
profusa de flores e de voos
e deixa os meus lábios pintados
de sorrisos e poemas.
Vem quando não sei, quando não espero
e acontece como uma brisa breve
um aroma que faz crescer o coração
até à beira da boca
pula de esperança e é tão leve
que dá ao toque das minhas mãos
a certeza das coisas mais certas.

As duas vivem em mim
delas parto para noites e manhãs
nelas soletro o meu nome
e detenho-me no verso
que preenche o anverso de cada letra.



14 de janeiro de 2013

Grãos de areia




Viver é isto:
olharmo-nos como quem mergulha mar adentro
sem ter medo de não saber como se respira
e chegados ao fundo
não mais nos vermos, senão
memória de azul
minúsculo cristal
singular partícula de areia. 





12 de janeiro de 2013

Manhãs de neblina



M.G.D

As manhãs, às vezes, estendem sobre a solidão dos lugares uma certa neblina. Tudo parece estranhamente calmo e resignado à ausência de luz e à impenetrabilidade do sol. Tudo parece aguardar, apenas, que aquele véu levante do chão o silêncio que caiu durante a noite. 
Indiferentes a todas as esperas, os pássaros esvoaçam das árvores, cansados de dormir, e rompem as tonalidades mescladas de uma realidade cinzenta. O dia já nasceu. É tempo de dar cor à voz guardada no interior das asas e cantar a anunciada revelação das paisagens.



8 de janeiro de 2013

Beijo meu



Nasceu no coração este beijo
de amor desejado corpo
dentro do meu corpo
como um sol dentro da centelha
e é tão grande agora
que cresceste
que não tenho lábios que cheguem
para te beijar a vida inteira.



3 de janeiro de 2013

Sementes de poesia



Ando ombro a ombro contigo a dedilhar palavras
E tu olhas-me triste
Porque sou o eco infértil da tua boca
E dela nada ouves senão silêncio
Neste medo meu de envelhecer versos
De os fazer viver à míngua
No espaço perdido dos dedos.

Sabes, talvez nunca os saiba dizer
Talvez te arrependas de caminhar comigo
E dês por perdida esta tua semente
Não, eu não sou poeta!

Falta-me o desassossego
Do ser mais alto e maior dos poetas
A coragem com que rasgam o grito
E tomam a força das aves
A direcção dos caules
O mistério das folhas
A revolta dos mares
O ciclo inesgotável do sol
O pulsar constante da vida.

Falta-me a vida… 

Por isso ando de mão dada contigo
Bebendo de ti a polpa dos verbos
Só tu podes fazer-me renascer
Nua de pele, vestida de encanto
E dar à minha voz vazia e calada
O canto que dás aos Homens
E a alma que acendes no povo
Que não sabe viver sem ti.

Só tu podes semear em mim o olhar de poeta
E ensinar-me
Como desbravar na palavra o caminho dos olhos
Como dar ao que choro
A liberdade certa no leito de um rio.

Só tu sabes dizer-me que viver vale a pena
E assim, lado a lado
Talvez faças do espaço amplo do meu peito
Um oceano
Onde podem ancorar todos os barcos
Ou a página rubra
Onde mesmo sem nunca o saber dizer
Um dia eu consiga escrever
O teu poema.