Já não importava saber como aconteceu, nem falar das consequências com verbosas sabedorias. A vida seguira já o seu rumo, e os dias cobriam-se agora com novas e luminosas cores para além do cinzento. 
Madalena tem o corpo franzino. Chega com os olhos brilhantes, afundados no esgar de dor que lhe assombra o rosto indefinido entre a menina e a mulher. Está doente, da “ barriga”, diz.
Pede que a tratem. “ Por favor! “ suplica, é que a dor é grande, mas maior a consumição.
Em casa, com o companheiro, ficara o filhinho, nascido há menos de um mês. Deixara-o a dormir, o anjinho, mas daí a menos de três horas, iria reclamar-lhe o peito que já pingava pressentindo o momento.
Duas lágrimas rolam-lhe no rosto. Limpa-as de seguida, com rapidez. Não é hora de chorar, mas de saber o que tem, de resolver aquela dor que a não larga, para depois ir embora para os seus afazeres de mãe.
Deixa-se observar, faz os exames pedidos e espera. A espera inevitável de um serviço de urgência. A dor passou, só a apreensão continua.
Aproveito o momento para incentivar a conversa, o desabafo. O diálogo é fácil. Ao sorriso, segue-se o riso e os olhos cada vez mais a brilhar. A assistente que a acompanha, hoje e quase todos os dias, encoraja-a a falar comigo.
Diz que não está triste. Que lhe disseram que tinha depressão pós-parto, mas que não se sente triste, só às vezes tem vontade de chorar. Digo-lhe que chore sempre que tiver vontade, que é normal e que não tem que se preocupar por isso.
E fala, fala da sua nova vida e como se sente importante. Diz-me que às vezes tem saudades das amigas da escola e de não ter nada para fazer. Ressalva de imediato que agora é diferente , porque tem o seu menino, que são só os três, é certo, mas que nunca foi tão feliz e o Zé é muito seu amigo.
Penso nas dezasseis primaveras que viveu, ou nos dezasseis invernos...
Tocam-se os nossos olhares. Afago-lhe a mão pálida e prendo a custo a emoção teimosa. Para mim também não é hora.
Interrogo-me sobre a razão da ausência da mãe, da falta do seu apoio. Corre o processo no tribunal, fico entretanto a saber.
- Diz-me Madalena, e tu comes? Fazes comida para ti?
Responde que sim, que sabe já fazer muitas coisas, menos o arroz. Esse, não sabe o que acontece, fica sempre insonso e queimado no fundo do tacho. O Zé cozinha bem, mas trabalha quase todo o dia. Quando não sabe, vai ver a receita na internet ou pergunta como se faz às assistentes familiares que lá vão a casa, diariamente.
-Enfermeira, quando posso ir embora? O meu filho já deve estar a acordar, está quase na hora!
Dou conta à equipa, da urgência das decisões que entretanto chegam, para alívio de Madalena. Vai embora, não é nada de cuidado. Tem de comer, está muito magra.
- Eu sei senhor doutor, a enfermeira já me disse, se eu não me alimentar o leite fica fraco.
- E tu também, minha querida, e tu também. Acrescento.
Vejo-a ir embora, frágil.
Deixo cair as lágrimas contidas. Não sei se pela menina a aprender a ser mulher ou se pela mãe que ainda não deixou de ser menina.