
OS SIMPLES
Pela estrada, que entre cerejais ondeia,
Uma pequerrucha, Tró-la-ró-la-rá!
Vai cantando e guiando o carro para a aldeia.
Com um castanheiro apodrecido já.
Castanheiro morto! Que é da vida estranha
Que no ovário exíguo duma flor nasceu,
E criou raízes, e se fez tamanha
Que trezentos anos sobre uma montanha
Seus trezentos braços de colosso ergueu?!
Em casal de Serras arde o castanheiro
Lâmpada de pobres a fazer serão;
De redor no grande festival braseiro,
A velhinha, o velho, o lavrador trigueiro,
A mulher, os filhos, o bichano e o cão.
Como não sentir um estranho afecto,
Se lhe dera a trave que sustenta o tecto,
Se lhe dera o berço onde repoisa o neto,
Se lhe dera a tulha onde arrecada o pão!
Fez com ele o jugo e fez com ele o arado;
Fez com ele as portas contra os vendavais;
E com ele é feito o velho leito amado,
Onde se deitara para o seu noivado,
E onde já morreram seus avós, seus pais!
Eis as brasas mortas... Ei-lo já converso
O castanheiro em cinza, o fumo vão, em luz...
Luz e fumo e cinza tudo irá disperso
Reviver na vida eterna do Universo
Círculo de enigmas que ninguém traduz...
Guerra Junqueiro
9 comentários:
De fato...muitos são os enigmas desta vida!
Mas já dizia o poeta "tudo vale a pena se a alma não é pequena"!
Beijãozão
Suh:)
Esta "Inspiração" levou-me a Trás-os-Montes, onde, há anos atrás, vivi um S.Martinho em casa de aldeia, de um familiar.
As castanhas foram assadas não sobre "brasas mortas" como as do castanheiro de Guerra Junqueiro, mas deitadas ao borralho da lareira! Depois, chegou-se-nos o calor delas quentes na mão, do vinho novo da pipa aberta, e da família revisitada.
Foi o mais lindo magusto, que imaginar se possa.
Um beijo
Lindo o teu Magusto.
Hoje na escola também senti ...o magusto de "antigamente".
um beijo
VOA PENSAMENTO
Corro o mundo
O meu pensamento voa...
Voa rapidamente...
E foge-me entre os dedos...
Eu tento agarrar...
Abro as mãos...
Mas não consigo...
E deixo-o ir...
Como é bom fugir...
Como é bom voar...
E tu pensamento...
lá vais mundo fora...
Mas como tudo na vida...
Vais e voltas...
E eu aqui, espero-te...
E quando vieres...
Com as minhas mãos...
Vou agarrar o sonho...
Que vem dentro de ti!...
LILI LARANJO
Tanta coisa para aprender nesse mundo.
Lindo texto
Beijos
Amiga,
que lindo texto. Reflexivo. Me fez pensar nos ciclos da vida !!! Em tudo que acreditamos e que um dia tb deixamos de acreditar, ficando apenas lembranças. Além do quanto somos necessários uns para os outros: terra, homem, planta, animal... tudo há por razão!
beijinhos,
Gisele
Que belo texto!
beijos
Há quantos anos não lia este poema...
Foi a escolha certa para o dia certo.
Querida amiga Maria João, obrigado pela partilha.
Bom resto de semana.
Beijos.
Amiguinha
Foi muito bom recordar Guerra Junqueiro e este seu belo poema.
Muito apropriado ao dia de S.martinho, sem dúvida, mas muito mais do que isso, motivo para reflexão.
A vida que o castanheiro percorre para, no final, acabar em brasas mortas, fez-me lembrar o teu comentário no "Histórias", com o qual estou perfeitamente de acordo (mais uma afinidade entre nós...)- "ninguém foge ao destino e mesmo quando pensa que está a fugir dele, está apenas a cumpri-lo."
O castanheiro também cumpriu o seu destino...
Uma noite feliz, querida.
Beijinho grande
Mariazita
Guerra Junqueiro é fabuloso, infelizmente quase esquecido por um sistema que embrutece o ser humano. Adorei.
Beijos
Enviar um comentário