25 de agosto de 2013

Ruínas




Quanto mais ando, melhor vejo
a expressão antiga que respira, ainda
dos espaços abertos das casas em ruínas;
vozes de outros tempos que permanecem
dormentes entre as pedras.

Aqui e além, espalhados pelo soalho velho
ouvem-se os gemidos de angústia
que cobriam outrora todas as migalhas de pão
que a fome não viu, caindo desamparadas
para regozijo dos pássaros.

Os velhos não esqueceram a voracidade dos abutres
nem a persistência que deram ao voo 
ante a fraqueza das asas;
e dizem-no:
com as mãos cheias dos  dias que precisaram chorar 
de corpo desabrigado, para chegarmos até aqui
e os olhos rasos, da água viva que sacia
os lábios de quem nada teme.

Talvez por isso haja tanta ternura no seu olhar.

Talvez por isso eu me entristeça mais
agora, que vejo melhor o abandono tombar
sobre a sage telha que abriga, ainda
de fumo e cinza
a frágil vida
erguida na ignorância dos homens.


(foto pessoal)

5 comentários:

Mar Arável disse...

Tudo se move

Bj

Lídia Borges disse...


Pungente!...

Ruínas que [te] falam. Ouvi-las é privilégio só de alguns.

Um beijo

Mel de Carvalho disse...

regresso, minha amiga, às leituras e aos lugares onde ecoam, síncronas, as emoções e o respeito pelo que somos e/ou fomos.

um privilégio ler-te, e, quão fantástico ouvir um tema que poderia ser o som de fundo do que acabo de publicar...

beijo, querida João

Manuel Veiga disse...

sensível. e belo. e sábio poema.

beijo

Bergilde disse...

Quanta vida as ruínas podem contar e quanto se pode aprender através de um olhar mais sensível que passe por elas.Abraços,bom dia poetisa!