Os dias não são sempre iguais. Dizes-me,
embora não o sintas.
Dizes-me para saberes como se
segura a tristeza com o cansaço, para a arrancares dos lábios antes que as
palavras se azedem na tua boca sem céu. Dizes-me (eu sei) pensado que também
eu preciso de acreditar nisso.
À tua volta, a terra é um fundo
negro , cada vez mais negro, e a claridade de cada dia é coisa pequena. Tão
pequena que mal a sentes; tens os olhos presos a uma escuridão sem candeia.
Talvez por isso a tua pele tenha a cor pardacenta de uma folha de papel
esquecida, amarrotada e inútil, sem nada que pareça ter valido a pena. Tudo nela
escrito; porém, sem que entendas o significado das linhas, dos sulcos, dos
poros, da transpiração inevitável da tua vida. Sem que percebas que te deixaste
levar para a quase morte dentro desse vazio de terra negra, onde o verde dos
prados se transformou em cinza, numa secura própria dos desertos da alma.
Dizes-me que não são iguais: os
dias, e vejo-te moribundo à procura de uma árvore grande. Uma árvore com raízes
e ramos e folhas, e os frutos abrigados nelas, à espera de amadurecer,
sabedores da doçura do tempo.
Aperta nas mãos isso que dizes. Espreme
cada palavra até lhe saberes o sentido, e o eco for inteiro na tua língua.
Ainda há árvores a crescer,
sabias?! Não, não aí, nessa terra onde abandonaste o corpo para envelhecer,
nessa ravina de má memória onde te lembras, não!
Mesmo à beira do abismo, neste
lugar de pedra descarnada que nos fere e nos desnuda a todos, o sol ainda nos
abraça; ainda beija o chão e aquece; ainda alegra o canto das aves; ainda faz
brilhar no olhar a cor imutável do céu. É aqui, antes da queda, que as árvores crescem, sem desespero, com as
raízes presas às rochas. Às vezes, crescem curvadas pelo peso do vento, à noite.
Mas crescem, dignas, enquanto tiverem seiva. Enquanto lhes rangerem os galhos,
sabem do tronco que se eleva à procura do azul: esse azul que persiste, no cimo de qualquer
paisagem pintada em qualquer tela . O azul que é céu todos os dias, embora
alguns sejam diferentes só porque têm nuvens.
5 comentários:
Belo texto
e a pretexto.
Sou árvore que já não cresce,
mas que resiste,
com ramos erguidos mas não em prece
firmes, em riste
reclamo,
em cada ramo...
Refletindo com estas tuas palavras me percebo também muito 'árvore'. Tenha um bom prosseguimento de dia amiga poetisa e já desejando-te um ótimo final de semana !
"ainda há árvores que crescem"...
muito belo o texto.
gostei muito.
beijo
Obrigada, Maria João, pelas palavras deixadas no meu "Ortografia". Virei aqui outras vezes. Vou ter imenso gosto em lê-la.
Um beijo.
Chego aos Pequenos Detalhes e parece-me ser tarde, mas depois leio e releio e a sede de ler mais diz-me que afinal é cedo e que afinal tenho toda(s) a(s)vida(s) à minha frente para te ler- ainda mais.
Beijo
Olívia Santos
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