Picasso - Os pobres à beira do mar ( 1903 )
Antes da revolta do mar
as gaivotas, em desespero, guardavam as asas
e cobriam-se de sargaço para que ninguém soubesse
que decidiam morrer antes do fim das palavras.
Dentro do vento, as vozes
das mulheres
anunciavam o fim do mundo
tecendo e destecendo o silêncio
com que protegiam o corpo da bruma
e mirradas de colo, agarravam-se ao ventre
na antecipação da angústia.
Na praia, só os meninos
desenhavam o sol dentro das conchas
enquanto as casas
desmoronavam
com o peso do sal sobre as pálpebras
e os homens, presos às estacas
vigiavam o gemido das ondas
quebradas na dureza dos rochedos
e amedrontavam-se como nunca
dentro dos próprios punhos.
Antes da revolta do mar
a terra era uma chaga
a esvair-se de humanidade
e foi preciso semear poesia
à boca de todas as marés
para que o grito amadurecesse
e o mar cantasse o hino
de um coração de lava transbordante
que desembaraçado de
algas e fantasmas
num estrépito se elevou, vivo
a encimar o mastro de uma nova caravela.
9 comentários:
O mastro mais alto da vida
Bjs
Ao longe uma vela de Esperança. Salve-se!
Um beijo
Porque é imensa a tua poesia,
deixo palavras de um outro autor, também ele imenso,
também ele um dos maiores:
"... esse dia, esperança de amanhã, poderá chegar e estarei
[dormindo.
hoje, sou um pouco de alguma coisa, sou a água salgada
que permanece nas ondas que tudo rejeitam e expulsam
na praia. as gaivotas sobrevoam o meu corpo vivo. os meus
cabelos submersos convidam o silêncio da manhã, raios de sol
[atravessam
o mar tornados água luminosa. aqui, estou vivo e sou alguém
[muito longe."
José Luís Peixoto
in [A Criança em Ruínas]
Beijinho, Maria João :)
Continuação de uma boa semana
As palavras na praia, permanecem incólumes perante a fúria das marés, consagrando o poema, enquanto a espuma das ondas se apaga num último suspiro...
Belo Poema Maria João!
Um beijo,
AL
grato pela presença.
gostei muito do poema e vejo por aí "rostos" amigo.
voltarei, se me permite
abraço
Olá querida amiga
Mais um belo poema, um retrato fiel deste povo que somos, feitos de mar e de sonhos, onde apenas os miúdos desenham o sol... Maravilhoso
Beijinhos
Semear poesia...
Que grande conceito, Maria João!
(Este poema é um monumento de palavras)
Beijo :)
Querida Maria João
Não te desculpes por não teres estado presente no próprio dia da postagem – dia 6.
Sabes que os amigos não têm hora para chegar, e são sempre recebidos de braços abertos. É assim que te acolho, sempre.
Não é nada ridículo pensares que quem amamos vive sempre dentro de nós, pois comigo é exactamente isso que se passa.
O meu Amor continua intacto, e acredito que assim ficará até ao fim dos meus dias.
Que, com o passar do tempo, surja uma maior conformação, aceito. Que a dor se torne mais suportável… também admito.
Mas o Amor não sofre alteração, por muito tempo que passe.
Muito obrigada, querida, pela tua presença e pelas tuas palavras de apoio e carinho.
Beijinhos com muita amizade.
Este teu poema é, simplesmente, FABULOSO! Dos melhores que tens escrito.
Parabéns!
PS – A minha próxima postagem será amanhã, dia 14, como habitualmente.
Gostei tanto, Maria João... mas ando "mirrada" de palavras... e de poesia, consequentemente... esgotei-as ou esgotei-me nelas. Talvez um dia possa voltar a semeá-las...
O meu abraço!
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