Eram passos lentos os que trazia.
Lançava-os no chão. Naquele que sabia e no outro que nunca pisara mas onde cresciam as papoilas que um dia haveria de colher. Um dia, um qualquer dia de um qualquer tempo , numa qualquer dimensão.
Eram passos seguros, firmes, mas propositadamente lentos. Neles, ouvia a história das pedras, respirava o aroma cicatrizante do pó da terra e, enquanto guardava nos bolsos o orvalho da noite suspenso nas ervas daninhas , subia-lhe aos lábios o sabor vertical do trigo a oferecer-se-lhe à fermentação da vida.
Do caminho, não lhe importava o rasto, apenas o peso de si própria moldado no barro, qual ânfora a saciar a fome de humanidade. Talvez por isso levasse consigo, pousadas nos ombros, todas as lágrimas que lhe confiavam e mais umas quantas rugas, suas e de outros, porque o saber do tempo era o único tesouro que conhecia.
Um dia, desejou que tudo de si fosse fértil como água nascente, mas nem por isso apressou ou refreou a passada. Se o sol lhe era força a aquecer a alma, respirava mais fundo para a guardar no coração e aí se abrigar das imperfeições do vento norte. Mas quando era chuva o que chegava do céu, erguia o rosto e recebia nele cada gota, como quem bebe um oásis, sabendo que os desertos existem e aí, nem as pedras desejam falar da sua própria história.
Saboreava cada milímetro da sua caminhada como se semeasse e colhesse estrelas e as amasse a todas de igual modo, como filhos diferentes mas de brilho igual.
De quando em vez, uma rodopiante aragem envolvia-lhe os sentidos e via-se então, de braços abertos, numa afinidade de asas com quem nasce a voar. Era assim que planava livre por dentro dos sonhos e descobria que essa era, de todas, a mais bela viagem.
Eram lentos os passos e grandes os sonhos.
Eram imensos os sabores, e isso já era tanto para se sentir feliz.
13 comentários:
MARIA JOÃO
Querida Amiga,
Se as pedras, nos desertos, derretidas em água nascente falassem da sua própria história, estes transformar-se-iam, como o Seu conto, em oásis!
Um beijinho
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 1 de Junho de 2011
Olá Maria João
É um prazer imenso, poder receber um pouco te tão belos ensinamentos, embalado pelo som calmo e sereno, me deixo ficar deliciado, e ficam as tuas belas plavras germinando aqui dentro, na minha cabeça...
"...erguia o rosto e recebia nele cada gota, como quem bebe um oásis, sabendo que os desertos existem e aí, nem as pedras desejam falar da sua própria história..."
Poesia pura, numa prosa que é um abrir de sentidos.
Adorei, peço desculpa pela ausencia por estes lados, beijinho e que tudo esteja a correr bem com o livro.
Teus passos decididos e a tua caminhada sem pressa, serena e confiante levar-te-ão a todos os lugares bonitos que tens dentro da tua alma de viajante em busca a perfeição nas coisas tocáveis de qualquer percurso.
Como num sonho!
Um beijo
"Eram lentos os passos e grandes os sonhos"
e começava a aperceber-me de que tinha tanto para ser feliz
tinha tanta ternura em mim
que o meu coração livre saltou
num sentir nascente de vida
lindíssimo João, como foi bom chegar aqui e ler te, nesta imensidão de vida que tens e connosco patilhas
obrigado querida amiga
beijinho grande
dulce
lentos seriam, os passos
e se numa corrida alguém a chamasse
o que faria uma mulher assim?
não sei se corria
mas sinto o odor das maçãs verdes, das primeiras,
quando imagino a fruta que trincaria
um beijo Maria João!
manuela
Maria João,
Nas linhas de água corrente´
que passam nas tuas veias,
entre ti e a nascente
as marés são sempre cheias...
Um abraço!
AL
Perante o sonho, lentos são os passos.
Maria João,
no meio de tantas palavras construindo frases que denunciam significados...envolvi-me "...numa afinidade de asas com quem nasce a voar". e se o voar é bonito, esta foi a leitura da "...mais bela viagem".
que descanso para a mente.
bjnho
As mais belas viagens
são sonhadas
mas têm apeadeiros
Bjs
Minha querida
Uma viagem dos sentidos...dos sonhos que mesmo que acompanham o caminhar...presos na vida.
Adorei ler-te em prosa e deixo beijinhos
Sonhadora
Maria João,
tão lindo amiga!
fez-me estrela dançante entre asas de esplendor enquanto embalada nas tuas belas palavras.
tão bom ler-te!
Beijos grandes
Tens oscilado entre a poesia e o conto (pequeno). E és excelente em qualquer dos dois géneros de escrita.
Chegará o dia em que vais precisar de te atirar de cabeça a um romance... porque tens fôlego para isso (sente-se no que escreves).
E, na minha modesta opinião, já não te falta nada para esse voo... porque mesmo que os teus passos sejam lentos, devem ser grandes os teus sonhos...
Querida amiga, boa semana.
Beijos.
Da poesia à prosa e no retorno desta, se faz o traçado e o caminho (re)nascido da água. E o trilho do teu percurso literário a que, com orgulho, me associo, tua fã!
Gratidão, Joãozinha.
Beijo
Mel
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