Não, não era pintor. Mas um dia pediu uma tela, uma grande tela onde coubesse o mundo visto pelos seus olhos.
Escolheu na loja os pincéis mais macios, sentiu o veludo das cerdas deslizando sobre a pele
como se fossem carícias, soube-os seus e fechou os olhos para guardar no coração esse ponto
indefinido de pertença. A maior dificuldade, foi ter-se visto perdido no imenso colorido das tintas. Queria-as
todas, mas desconfiava que não teria tempo para se dedicar a cada uma em particular e, nesta impossibilidade, seleccionou sete,
porque sete eram as cores da ponte que lhe elevava o sonho até ao céu, o céu que lhe crescia no peito e sabia existir, muito
para além da dúvida contida nas nuvens.
Escolheu o local, a janela grande por onde lhe entrava a luz
todas as manhãs. Todas? Bem, quase todas, porque havia dias de muita sombra, dias enormes de luz impossível.
Não respondeu a
perguntas, estava cansado de perguntas. Mesmo porque não havia resposta
possível para aquela urgência de dizer o que não sabia, de fazer sair de si
algo que fosse maior do que o seu próprio tamanho.
Não haveria respostas, estava cansado da ausência de respostas.
Fez-se à obra nos dias seguintes, como quem lê
as derradeiras páginas de um livro e pressente o rumo da história, querendo
acreditar num final diferente para a personagem.
Com sete cores e em sete dias, as
mãos pequenas do Carlos pintaram aquele sol radioso num céu de nuvens, a surgir ou a desaparecer,
nunca saberemos, sobre o limite do mar. Estava feliz quando disse - Este é o meu sol, é para vocês.
Aos nossos olhos, aquele foi um
momento inspirador, rasgado do interior da angústia. Chegou-nos assim, preso no
último fio de lágrimas que a custo se continham. Chegou-nos assim, a ensinar-nos uma nova forma
de tecer, colorida, a palavra esperança.
Pendurámos o quadro na parede
principal do serviço, a maior, aquela que o merecia e onde nos sentiríamos sempre
iluminados. Afinal, aquele era o sol de todos nós.
O Carlos foi um menino de 10
anos que morreu poucos meses depois de nos oferecer aquele quadro.
Hoje, apeteceu-me lembrá-lo aqui. É que há crianças que gastam a vida à procura
de vida. Nunca desistem e, antes de a perderem completamente, entregam-nos tudo o que conseguiram encontrar.
E
isso é tanto!